sexta-feira, 5 de novembro de 2010

30 do 07 de 2010.

Irene anda ocupada. Mal tem tempo pra namorar, imagina escrever... É verdade que de tanto namoro veio Francisco, seu primeiro filho, primeiro amor. Irene até então havia experimentado certas doses de enlaçamento, sempre na medida, sempre tin tin por tin tin. Agora veio em tamanho lote, terra sem fronteira, céu à granel, Irene não tem tempo para lhes falar, o silêncio é um gigante cheio de paz. Em nome do pai, da mãe e do filho.

sábado, 15 de agosto de 2009

dia 14 de agosto

O mês que foi sete, agora oito, oito. O dia então, pior. Irene viu nascer um feriado particular, precisava de precisão. Sabia que se perguntasse, interromperia um momento liso, sem ruído no ouvido de fora nem no de dentro. Note leitor , que esse silêncio tem seu áudio em corpo, merece o destaque.
-Que dia é hoje?
-Dia 14 de agosto, por que?
Dia 14 de agosto de 2009, já posso morrer
-Nada não, só queria saber, tava perdida no tempo.
E não era bem porque estava perdida no tempo, Irene é avoada , mas era mais que uma viagem sua à lua. Precisava marcar com exatidão e testemunha de que o dia era aquele. Ligar um ponto de memória.
Agora sim, permitiu-se voltar aos passos nas nuvens, lugar onde estava antes da pergunta. 14 de agosto, um fato histórico de sua vida.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

"oh happy days !"



tupi or not tupi?

Viva o movimento Antropofágico ! Irene exclama com vigor. Após sofrer indigestão com os big sizes sirenes estridentes quick fast hurry move; a doença do consumo, Irene aprendeu com Oswald de Andrade a canibalizar cultura estrangeira para assimilar suas virtudes. Desde então, anda comendo suas novas aquisições em vinil novinho em folha: Bob Dylan, Johnny Cash, John Coltrane, Thelonious Monk, Nina Simone, Billie Holiday, Jimmy Hendrix, Anita O'Day, Aretha Franklin. Delicious!





*imagem: trecho de colagem sobre papel.








quarta-feira, 25 de março de 2009

























ligação perdida, Irene está só.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

os anos...

Na noite passada, Irene foi ao cinema, viu um filme de amor que falava do tempo, falava de envelhecer. Saiu introspectiva, o cenário do Leblon pouco lhe dizia, era só chão pra pisar. Sentou no bar mais póximo, tomou três chopps sem pausa, pagou a conta, pegou o carro e foi dar um beijo no namorado que estava bêbado no pagode do negão. Foi do Leblon até o Flamengo, desenrolou o estacionamento e a entrada do pagode com uma sagacidade que não conhecia para dar um beijo de três minutos. Julgou decadente o estado do namorado e do pagode, mas o desejo que a levou ali foi suficientemente forte para, durante aqueles três minutos, esquecer-se de si e em volta. Tudo foi beijo, nele couberam os anos...

Deitada na cama, pensou em sua velhice, sempre a imagina como um momento de plenitude, uma velhinha doce e bárbara. Acha que finalmente saberá muitas coisas sem precisar dizê-las, que lhe será possível a humildade e a generosidade. Talvez seja o medo da morte que lhe faça romancear as coisas, ou quiçá seja uma intuição. Irene nunca acredita em suas intuições, em geral as dúvidas lhe parecem bem aceitas, se classifica como um membro intelectual ateu do mundo ocidental, um bom título, crê. Mas sabe, já me confessou que às vezes fica cansada.

Na noite passada, Irene não dormiu. Não conseguia parar de pensar, o ritmo de seu pensamento ia a muitos volts por minuto, muitas dúvidas, enredos, lembranças, vozes que se concordavam e discordavam. Vez em quando, olhava o relógio; estavam em total dissonância. Irene corria no tempo, galopes entre futuro e passado, corria com seu cavalo com um certo desespero, ansiava chegar em algum lugar, que não a cama onde estava deitada. Já a noite se arrastava lenta, acorrentada.

Foi até a cozinha, fez um chá, decidiu esperar o dia. Quando ele veio, Irene estava junto.

domingo, 4 de janeiro de 2009

meio-dia

.


Passados dez meses escrevendo cartas de amor,
Irene perturba-se e se pergunta se está predestinada
a amar as cartas, uma espécie de romance particular; ou
se dá as mãos de verdade, balança-as junto, sente
o toque na mão e a mão no toque.

Irene ama as cartas de amor porque é muito mais bonita
nelas que em real espelho. Fica linha em dobraduras de pano
e renda, fica franzida numa prega de saia, descobre-se ávida,
bicho, beira de rio, uma graça de flor, é de terra alguma nessas cartas !
Essa sensação a engrandece, Irene se sente livre.
Mas passados dez meses, já não se sentia livre, sentia-se um tanto confusa:
amava as cartas ou o sujeito da correspondência?

Até que ele veio, aquilo não tava certo. Quase
prestes à morte súbita da dúvida e da distância, o amor veio cheio
de imperativos, veio na presença forte do solão de meio-dia.
Deu confusão na fábula que não tinha final feliz, pelo simples motivo
de não ter fim. No entanto, a colocou pra caminho, cem mais terras.

As dúvidas se mantém, sempre vestidas de alguma roupa estranha...
Certeza, só uma:

As cartas de amor são ridículas, bregas. "Não seriam
cartas de amor se não fossem ridículas"


Irene está feliz e com vergonha.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

dia 06

.


Uma pequena demora para entrar na Cobal de Botafogo,
mas a fila anda...
Deixou a chave com o manobrista e foi ver as flores
que lhe chamariam. Vem um amor de longe, Irene quer
recebê-lo sem dizer nada, Irene o quer sem palavras.
Os lírios foram os primeiros na pronúncia, lançavam um
perfume rasgado, quase apelativo, se ofereciam feito putas
em vitrines de Amsterdam.

"Quero cinco".

Passou entre anturios, anemolas e gerboras, ouviu-as,
mas estavam sem acento.

As tulipas vermelhas estavam na reticência do querer mais,
flores de primavera que se demoram e nunca terminam...

"este buquê, vou levar".

Orquídeas! As Vanillas Planifolia, não precisa nem saber latim
para saber o que sugerem suas pétalas. Além disso exclamam cheiro
de baunilha.

Para completar levo três talos dessa Helicônea, um tom de falo
no silêncio das meninas.

Saiu carregadinha de perfume escondida entre verdes, vermelhos,
rosas e amarelos, Irene estava um ouriço só, assobiava alguma canção
irreconhecível, pela falta de talento no gesto.

Colocou-as com delicadeza no banco de trás
e os carros seguiram, a fila andou.


.