quarta-feira, 20 de agosto de 2008

dia três



















Cismou em casar na igreja, coisa que ninguém entendia porquê. Sempre teve uma educação liberal, pais que lutaram na ditadura e romperam tabus nos anos 70. Agora ela vinha com essa de tradição ( acho que via novela, lia revista de fofoca e não perdia um filme americano). Casar na igreja, ter eletrodomésticos Brastemp e ter dois banheiros pro casal- essa parte de não precisar conviver com cuecas espalhadas e urina na tampa da privada lhe renderia mais alguns anos de união estável. Casar com um homem rico, quem sabe?

Irene não se importava com a reprovação alheia, nem tinha um pretendente mesmo. Gostava de ver como suas decisões afetavam as pessoas, instigando-as de súbito a tomarem partidos e afirmarem uma opinião séria política. Ouvia atentamente os argumentos, os contra-argumentos, os esforços na tentativa de conversão; "há um hiato de hipocrisia significante na igreja católica"; "não se esqueça, que ela enriqueceu nas cruzadas, e matou milhares em nome de Jesus"; "o casamento é uma instituição, não se filie"; "você está tendo um pensamento burguês, onde já se viu? Eletrdomésticos Brastemp, tanta gente passando fome". Para Irene, tanto fazia se a crença era verdadeira ou não, interessava-se mesmo, pela sofisma da coisa.

Em segredo, ela sabia que casar na igreja, era algo que a nutria nas noites de domingo, quando deitava no sofá e inventava estórias sem pé nem cabeça.
[Irene acredita no amor]

Suas palavras percorreriam o côncavo acústico da igreja imaginária, e em seu ponto mais alto, refinariam-se em notas musicais:
"Com meu corpo te adoro".
Nesse momento lhe escaparia uma sensualidade escondida, que não mais lhe era condenada. E o padre diria:
"Oremus"

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